terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A caçada já terminou

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Gazeta Extraordinaria do Rio de Janeiro, 18 de Janeiro de 1811
(leia o número completo aqui)


Em a noite de 18 para 19 do mez de Dezembro de 1810 fugio de casa de seu senhor hum preto, Nação Angola, idade pouco mais ou menos de 18 annos, com riscas de alto a baixo nas duas faces, dentes iguaes, espigado, cheio de fogagem, ou sarna: levava vestida huma tanga azul, e camiza da mesma côr: a qualquer pessoa que o achar, se roga que o mande restituir a seu dono no largo da Lapa do Desterro n. 11, e se lhe darão boas alviçaras.

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Estadão.com.br
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Ocorre que essa omissão surgiu dias após uma pequena editora, NewSouth Books, anunciar a nova edição de Huckleberry Finn, de Mark Twain, na qual serão substituídos os usos que o autor faz da palavra "nigger" (negro, com conotação pejorativa) por "slave" (escravo). 

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A intenção de Huckleberry Finn era atacar o racismo, é claro. Na cena mais famosa, Huck esconde o escravo fugitivo Jim de caçadores de escravos, e depois se sente culpado. "Eu sabia que tinha agido errado", diz ele, embora o leitor, e Twain, saiba que ele fez a coisa certa. É uma demonstração contundente da maneira como a consciência não é só inata, mas também aprendida, e como é difícil agir certo numa sociedade centrada no errado, os mesmos tipos de perguntas que atormentaram Hannah Arendt no julgamento de Eichmann.

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A mesma polêmica que envolveu recentemente a obra "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato... O sentimento de culpa do personagem Huck recorda-nos a diferença entre ética e moral. Houve a ética nazista, houve a ética escravista. Houve diversas éticas centradas no errado, sem, contudo, atingir os valores morais  que hoje consideramos atemporais e universais. O preconceito, porém, perpetua as diferenças. Se encontrarem por aí o "preto de Angola", lembrem-se de que a caçada (felizmente) já terminou.